Um dos grandes estragos feitos pelo golpe de 64 (ou Revolução, como alguns preferem) foi a ruptura entre o prazer de ser brasileiro, a alegria de ver um desfile no Dia da Independência e a nossa falta de um verdadeiro nacionalismo – ou um desejo de brigar pelo futuro do país. Não quero aqui entrar no mérito daquele movimento de militares. Não tenho bagagem, nem tempo nem vontade. Quero é lamentar que na manhã de hoje apenas os mais pobres, carentes de lazer, estarão de novo na Avenida Afonso Pena para aplaudir as forças militares, os agentes de segurança e uns poucos estudantes.

Aquelas últimas décadas do século passado fizeram confusão na nossa cabeça entre o que era show que a gente não queria ver, o que é demonstração de civismo e o prazer de ostentar os símbolos de nossa pátria, a começar pela bandeira. Aliás, outra coisa que não consigo entender é a proibição de se usar a bandeira em determinas circunstâncias. Se dependesse de mim, estimularia suas cores em cuecas e calcinhas, em cadernos, enfim, por toda a parte. Sinto uma tristeza daquelas quando, antes de começar um jogo de futebol, tem jogador sem saber cantar o hino e outro até mascando chicletes.

Tenho saudades daqueles tempos em que, menino, depois de treinar por duas ou três semanas, ia para a avenida bem cedo, todo caprichado no visual para impressionar as meninas e ansioso por desfilar diante das autoridades. Tinha também uma aula de OSPB que me mostrava a importância de amar a nação. Mas, na medida em que fui crescendo, me informando, mais e mais os fatos e as circunstâncias foram me afastando desse gostar das cores verde-amarelo-azul e branco.

Faz-me uma falta danada entrevistar algumas pessoas permanentemente tomadas pelo sentimento de brasilidade, especialmente Celso Brant, cujo discurso era um petardo contra a exploração do Brasil pelas nações ricas, e que morreu sonhando em fazer uma “Nova Inconfidência”; e Darcy Ribeiro, um antropólogo que comoveu o mundo pensando um Brasil melhor e, ao saber que sua doença era terminal, confessou no livro de memórias: “Termino esta minha vida já exausto de viver, mas querendo mais vida, mais amor, mais saber, mais travessuras”.

Como eu gostaria de discutir no jornal, no boteco ou em praça pública a necessidade de repetirmos aqueles sonhadores da antiga Vila Rica que ofereceram o próprio pescoço contra o “quinto” dos impostos quando hoje a gente já paga quase a metade de tudo o que recebe. Ah, se eu pudesse levar Darcy e Brant para um debate, hoje, no rádio, e só ficar escutando…